CAPÍTULO VII

A segunda-feira correu normalmente, com o peruano Pablo vindo comprar suas publicações e nada de mais. À noite Jorge foi à casa de Encarnacion para combinar os últimos detalhes do plano que seria levado a cabo no dia seguinte.


-Eu entrarei com você ajudando-a a levar os quitutes para dentro da casa e tentarei ficar escondido lá em algum lugar.


-Certo, mas temos que ter cuidando para você não ser visto por Pablo. 


Na terça feira, logo pela manhã Pablo estava agitado e veio à banca como de costume, desta vez na companhia de outro homem desconhecido e os dois conversaram pouco, mas Jorge conseguiu ouvir a conversa e concluiu que falavam da grande reunião de logo mais à noite. As horas se arrastavam e a ansiedade de Jorge era notória. Finalmente chegou o fim do dia e Encarnacion passou na banca para pegar Jorge, o carro estava cheio com a comida que eles entregariam na sede da confraria. Jorge fechou a banca mais cedo e foram para o local e tiveram sorte, apenas um homem vestido com terno cinza-escuro, camisa preta  e gravata cinza-claro com um daqueles broches afixado nela estava lá e os recebeu. Puseram as comidas na cozinha e enquanto o homem acertava as contas com Encarnacion, Jorge fez menção de ir para o carro e escondeu-se atrás de uma porta próxima a um corredor no interior da casa. Ela foi embora aflita. Combinaram que ele daria notícias através de mensagens pelo celular. Jorge percebera que a casa era grande e tinha uma escada que dava para a parte de cima. Subiu-a e deparou-se com três cômodos grandes e um banheiro, todos com acesso por um largo corredor. Não havia nada nos cômodos, estavam completamente desprovidos de móveis e o banheiro parecia que não era usado há muito tempo. Concluiu então que a reunião deveria acontecer na parte térrea da casa e que ninguém subiria aquelas escadas, por isso acomodou-se próximo da escada, num canto do corredor.  Aos poucos foram chegando outros homens. Jorge não podia vê-los mas ouvia perfeitamente o que falavam. O idioma predominante era o espanhol, que a esta altura ele já entendia muito bem graças à convivência com Encarnacion, mas percebeu também que haviam alguns integrantes falando português. 
Os homens se saudavam com uma frase em espanhol: "fuerza nuestra, nuestra fuerza"! Todos que chegavam falavam a frase e os interlocutores respondiam  da mesma forma. Eles começaram a comer e beber até que alguém fez a convocação para a reunião iniciar dentro de quinze minutos. Jorge estava apreensivo, sem saber ao certo quantos homens havia ali e se realmente ninguém subiria as escadas. De repente alguém comentou que o banheiro estava com problemas e que teriam que usar o do andar superior. Nesse momento Jorge sentiu um frio na espinha, deveria pensar rápido em como não ser visto por quem subisse ali. Foi então que ouviu os passos de alguém subindo a escada. Jorge suava e tremia, se fosse visto não sabia o que poderia acontecer-lhe, não sabia exatamente do que aqueles homens eram capazes. Imediatamente entrou em um dos quartos e escondeu-se atrás da porta, porém, quando movimentou-se fez uma sombra na parede e fora percebido pelo homem que subia. Este por sua vez chamou alguém e disse ter visto alguma coisa estranha mexendo-se ali. Os outros homens riram e disseram que poderia ser o fantasma de Ernesto que voltara para assombrar-lhes. Jorge estremeceu. Ernesto era o nome do marido de Encarnacion. Agora não havia dúvidas, aqueles homens haviam matado Ernesto. Enquanto dois homens subiam a escada com cuidado Jorge tremia e suava frio sem saber o que fazer. De repente percebeu que no quarto onde estava havia um grande tapete e resolveu dar uma olhada embaixo. Para sua sorte encontrou um alçapão e imediatamente abriu-o e entrou sem saber o que poderia encontrar ali, mas era sua única chance de não ser visto. Os homens entraram no quarto, deram uma olhada rápida, então dirigiram-se aos outros quartos e posteriormente ao banheiro e nada encontraram. Desceram para a reunião. Jorge estava atônito, imóvel e suando muito dentro daquele cubículo escuro.  Percebeu que havia um saco plástico preto no alçapão onde ficara. Suas roupas estavam totalmente empoeiradas e o saco plástico também. Esperou alguns minutos e como não ouvia nada resolveu sair dali. Abriu lentamente a tampa do alçapão e o tapete escorregou para o lado. Jorge saiu e levou o saco plástico consigo. Não conteve a curiosidade e o abriu. Para sua surpresa e terror encontrou ossos humanos lá dentro. Deu um salto para trás e quase um grito, mas controlou-se. Assustado, fechou imediatamente o saco e o devolveu ao interior do buraco, fechando a tampa e colocando o tapete por cima. Estava atordoado com o que ouvira, fizera e vira. Refeito do susto, voltou ao lugar próximo da escada onde podia ouvir os homens. Jorge entendeu que a reunião que estava acontecendo era uma espécie de tribunal. Ouvia nitidamente um homem falar com voz grave e em tom assustador, no idioma espanhol, sobre uma traição, na verdade outra, era o que ele ouvia o homem dizer, “outra traição”. Houve um burburinho quando o homem falou a palavra traição seguido por um silêncio funesto. Jorge estava com medo, muito medo. A palavra fora dada a outro homem e este começou a defender-se da acusação de traição. Foi então que Jorge percebeu pela voz que se tratava do peruano, seu freguês Pablo. O homem falava rápido e emocionado, parecia chorar e implorar. Jorge percebeu que o homem pedia pela sua vida e que os outros diziam que ele conhecia as regras. O ambiente ficara cada vez mais tenso. Instalou-se uma confusão lá embaixo e Jorge não conseguia entender o que estava acontecendo. De repente ouviu o homem que falava com voz grave dar um grito e todos se calaram. Agora apenas um homem falava, e desta vez em português. Jorge ouvia atentamente e as palavras daquele homem mexeram com as emoções dele. O homem falava sobre a sentença que deveria ser aplicada a Pablo pela traição que ele cometera, morte igual a de Ernesto. Jorge quase passou mal ao ouvir aquilo. E agora, o que fazer? Ele não podia deixar simplesmente que executassem uma pessoa sem fazer nada. Foi então que teve a ideia de passar uma mensagem para o celular de Encarnacion: “criminosos, mande a polícia já”.