CAPÍTULO III

O progresso no aprendizado era notório e em poucas semanas Jorge já conseguia travar alguns diálogos com dona Encarnacion e ficou empolgado com isso. Alguns dias depois, para alegria de Jorge, lá estava novamente em sua banca o tal peruano, Pablo, desta vez sozinho novamente.


-Buenos dias - disse-lhe calorosamente Jorge.


Pablo apenas assentiu com a cabeça, pegou as literaturas e os jornais de seu interesse, abriu imediatamente o Gazeta do Amazonas no caderno policial, deu uma rápida olhada nas manchetes e saiu como sempre com o jornal embaixo do braço.  
Um misto de alegria e frustração envolveu Jorge naquele momento. Alegria pela possibilidade de voltar a tentar desvendar o mistério, e frustração por Pablo estar sozinho e não conversar nada para que ele pudesse começar a descurtinar aquela história. Mas pelo menos seu alento estava de volta com as possibilidades. Os dias foram se seguindo e Pablo passava rotineiramente na banca e como sempre, mudo. Até que uma certa manhã algo diferente aconteceu. Enquanto Pablo estava na banca seu telefone tocou e ele atendeu imediatamente. Jorge pôs-se a ouvir discretamente a conversa. Seguro de que não estava sendo entendido, Pablo falava sem discrição, pois não havia mais ninguém por perto além de Jorge, que com aquele aspecto simples não aparentava saber outra língua, mal e mal o português. Mas enganara-se Pablo. A esta altura Jorge, com a ajuda de dona Encarnacion, conhecia muitas palavras em espanhol. E foi aí que tudo começou a ficar mais intrigante para ele. A conversa de Pablo ao telefone era com um tal de Santiago e ao que parecia estava ligando da Venezuela. Não era uma conversa amistosa porque Pablo se mostrava nervoso, andava pra lá e pra cá em frente à banca e gesticulava muito, além de estar com o semblante sombrio. Jorge ouviu parte da conversa e novamente a palavra "cofradía" fora citada, e desta vez ele pôde entender mais, falavam também de uma reunião dentro de alguns dias e que Santiago viria para participar e Pablo se encarregaria de efetuar uma reserva de hotel. Jorge estava eufórico agora. Pablo desligou, pegou as literaturas e os jornais e nem abriu o  Gazeta do Amazonas como de costume, saiu apressado cruzando a praça em direção ao prédio onde morava.
Jorge estava ansioso para saber detalhes do que ouvira. Agora ele sabia que Pablo iria receber visitas dentro de alguns dias para tratarem de algum assunto sério referente à tal confraria e precisava descobrir mais a respeito. Lembrou-se de já ter conversado algumas vezes com Severino, um dos porteiros do condomínio onde Pablo residia. Era um cearense muito tranquilo e falante, sempre alegre. Agora Jorge estava tentando pensar em algo para falar com Severino e conseguir, de alguma maneira, ter acesso a mais informações sobre Pablo e seus hábitos. Nada lhe ocorria e naquele dia fora embora com a cabeça a mil por hora. Era dia de visitar dona Encarnacion para tirar dúvidas do idioma  espanhol. E lá se foi, cumprir sua rotina, só que agora com os pensamentos voltados para o peruano, a reunião e a tal confraria. Após tomar um banho e fazer sua refeição, dirigiu-se à casa de dona Encarnacion, só que aquela noite não quis recapitular a lição, preferiu contar à ela o motivo do interesse pela língua espanhola e o que estava acontecendo. 


-Sabe dona Encarnacion, preciso contar-lhe o motivo pelo qual resolvi aprender espanhol.
-Ah, então tem um segredo señor Jorge! Diga-me o que o fez despertar o interesse pelo meu idioma? 


Jorge contou a história do peruano e de como ficara curioso à respeito da tal confraria de que ele tanto falava. Foi aí que teve uma revelação da viúva que caiu como uma bomba sobre a cabeça de Jorge e que mudaria totalmente o rumo dessa história.