CAPÍTULO IV

Então, naquele momento dona Encarnacion fez-lhe uma revelação.


-Señor Jorge, meu marido Ernesto também fazia parte de uma "cofradía" e na verdade morreu envenenado e não de infarto, como foi divulgado na época


Jorge ficou mudo e não podia acreditar no que estava ouvindo, afinal, sempre vira o senhor Ernesto passeando pelas ruas do bairro com aspecto tranquilo ao lado da esposa, sem que ninguém pudesse imaginar que ele participasse de alguma coisa do tipo que tem segredos mortais. Mas era verdade. 


-Eu nunca soube em que meu marido estava envolvido porque ele jamais comentava nada a respeito das reuniões que participava, sabia apenas que não se tratava da maçonaria pois o símbolo que havia no broche que ele usava na gravata era diferente do símbolo da maçonaria que eu conheço bem, pois meu pai era maçom. Mas eu sabia que era algo sério, pois muitas vezes o via com semblante preocupado, inclusive, dias antes de sua morte percebi que ele andava muito aflito, não comia direito, dormia pouco e fumava muito, além do normal e falava apenas o necessário. Eu respeitava seu silencio e não fazia questionamentos. 


Nesse momento ela pediu licença, foi ao quarto e voltou com um estojo preto em suas mãos, de tamanho pequeno, semelhante ao estojo de uma joia e entregou-lhe. Ele imediatamente abriu e viu algo que não conhecia, um broche dourado com um desenho diferente de tudo o que havia visto até então. 


-Vi broches nas gravatas do Pablo e do Ramon, mas não prestei atenção no formato pois muitos executivos de empresas usam broches. 


Analisou aquele objeto em sua mão, era pequeno e dourado, com formato de uma estrela só que quadrado e  com quatro pontas, na verdade quatro setas apontando cada uma para um ponto cardeal, com cerca de dois centímetros de diâmetro, com um alfinete na parte de trás no sentido horizontal. No centro, as letras “F” e “N”. Jorge percebeu que na verdade tratava-se de uma joia mesmo, pois o broche era verdadeiramente de ouro e as letras em madrepérola. Aquela havia sido uma noite e tanto para ele. Nem conseguiu treinar seu espanhol, ficara tão chocado com a história do senhor Ernesto e com o broche que não conseguia pensar em mais nada. Assim, totalmente tomado por um misto de euforia e curiosidade, despediu-se de dona Encarnacion e fora para casa dormir.
No dia seguinte Pablo apareceu na banca no mesmo horário de sempre, deu um "buenos dias", pegou as mesmas literaturas e  os mesmos jornais, abriu o Gazeta do Amazonas como de costume e saiu. Ele estava com seu broche na gravata e Jorge agora dera uma olhada mais demorada, porém cuidadosa para que o peruano não desconfiasse de nada. O broche era exatamente idêntico àquele que a dona Encarnacion lhe mostrara. Não havia dúvidas, Pablo pertencia à mesma confraria que o senhor Ernesto, quem sabe ele mesmo pudesse ter algo a ver com a morte do argentino. Naquele instante um arrepio subiu-lhe pela espinha, poderia estar diante de um assassino, mas não queria tirar conclusões precipitadas, não era do seu caráter. O restante do dia passou sem maiores incidentes. 
À noite foi até a casa de dona Encarnacion e contou-lhe o que vira:


-Dona Encarnacion, o broche do peruano é idêntico ao que o seu marido usava. 


Ela ficou pálida e sentiu uma vertigem. Jorge ficou preocupado, foi até a cozinha e trouxe-lhe um copo com água, ela bebeu e sentiu-se melhor. 


-Conte-me mais alguma coisa sobre os hábitos do senhor Ernesto. 


-Ah, ele era um homem comum, de hábitos simples e trabalhava como contador numa indústria de cosméticos na Argentina e veio transferido para o Brasil há 8 anos, exatamente quando começou a frequentar as reuniões da tal confraria. Após a mudança nossa vida continuou normal, apenas haviam as tais reuniões uma vez por semana, nas noites de terça-feira, em lugar desconhecido por mim, sabia apenas que durava cerca de quatro horas, pois ele sempre saía de casa às oito da noite e chegava por volta de uma hora da madrugada. Ele nada comentava sobre o conteúdo das reuniões, apenas dizia-me que era coisa de homem, nada muito importante e eu aceitava pois ele era um bom homem, bom marido e de bom caráter.


Essa informação fora preciosa para Jorge. Agora ele sabia que Pablo certamente participava dessas reuniões e precisava dar um jeito de descobrir onde era o local. 
Eles repassaram a lição e ficaram um longo tempo conversando amenidades.