CAPÍTULO II

Como era estudioso e interessado, levou para casa um encarte de um curso de espanhol contendo um livro e uma fita vhs. À partir daquela noite sua rotina fora mudada. Logo que chegava em casa tomava um banho, fazia uma rápida refeição, ligava o vídeo cassete e punha-se à frente da televisão com o livro na mão e, concentrado estudava. Queria aprender espanhol para entender o que aqueles homens misteriosos tanto conversavam. Os dias foram passando, os homens continuavam comprando literaturas em espanhol e os jornais, conversavam em frente à banca e saíam. Jorge comprara uma caderneta onde anotava algumas palavras que conseguia ouvir da conversa e à noite, ao chegar em casa, fazia sua lição e buscava no dicionário as palavras que anotara. A cada dia ele se maravilhava com seu progresso no estudo da língua hispânica e podia testar seus novos conhecimentos ouvindo aqueles dois e entendendo pouco a pouco o que falavam. Descobriu que o homem que morava no prédio em frente à praça era peruano e se chamava Pablo e que seu companheiro Ramon era boliviano. Já era um bom começo na tentativa de desvendar o mistério que rondava aqueles homens. 
Passaram-se alguns dias sem que os dois aparecessem na banca. Jorge ficou intrigado e ao mesmo tempo chateado porque pensou que poderia  jamais vê-los novamente e assim perderia a chance de desvendar o mistério sobre a tal confraria. Mesmo assim não desanimou do estudo e como de costume, todos os dias fazia sua lição e praticava lendo algumas literaturas em espanhol que havia na banca. Lembrou-se de dona Encarnacion, uma argentina viúva, aparentava uns quarenta e poucos anos, bonita, que morava na casa em frente à sua e com quem tinha tido um pequeno desentendimento meses atrás por causa de um dos gatos dela que entrara em seu cômodo, certamente para caçar camundongos, e fizera uma tremenda bagunça deixando sua cozinha ainda mais desarrumada do que de costume. Mas não havia sido nada sério, ela o xingara em espanhol e ele  nem se aborrecera porque não havia entendido nada mesmo. Ela não vivia só como ele, mas na companhia de seus dez ou mais gatos por quem daria sua vida se necessário fosse. Jorge pensou em procurá-la para tirar algumas dúvidas sobre as lições de espanhol e aproveitar para aprender algumas palavras e quem sabe até travar uma conversação para se aprimorar. Ficou relutante pensando que poderia ser mal interpretado pela viúva, mas o desejo de aprender falou mais alto e então encheu-se de coragem e procurou-a naquela noite ao retornar para casa. Para sua surpresa ela o recebeu muito bem.
-Boa noite dona Encarnacion.
-Boa noite señor Jorge! Entre por favor.
Dona Encarnacion ficou surpresa com a visita mas foi amável e lhe serviu um chá com o bolo que havia preparado naquela tarde. 
-A que devo a honra de sua visita? Para mim é uma surpresa o señor aqui, mas estou feliz pois raramente alguém vem à minha casa. Desde que Ernesto morreu há dois anos só recebo a visita de uma sobrinha da Argentina, e ainda assim, muito esporadicamente. Infelizmente não tivemos filhos.
-Bem dona Encarnacion, primeiro quero lhe pedir desculpas pelo episódio do gato, fui muito grosseiro com a senhora.
-Ora señor Jorge, eu também lhe devo um pedido de desculpas, não devia tê-lo ofendido. 
-Tudo bem, eu mereci. Mas já passou e não vejo motivos para não conversarmos, já que somos vizinhos.
-Certamente señor Jorge. 
-Mas tenho uma coisa para falar com a senhora. Eu comecei a estudar espanhol e gostaria de saber se pode me ajudar.
-Puxa, que maravilha! Claro que posso, será um prazer e além disso vou poder praticar minha língua pátria, desde que Ernesto morreu não falo espanhol com ninguém.
Então combinaram que ele a visitaria três noites na semana para revisar as lições que aprendia em casa.