CAPÍTULO V

No dia seguinte Pablo passou pela banca e novamente acompanhado por Ramon. Falavam coisas triviais e Jorge não conseguiu captar nenhuma informação sobre a reunião. Naquele mesmo dia, Severino, o porteiro do prédio onde Pablo morava, veio até a banca em seu horário de almoço buscar uma revista de culinária para uma senhora idosa, também moradora naquele condomínio. Jorge não se conteve e puxou uma conversa com Severino:


-Bom dia Severino, como vai? Sabe, tenho muitos clientes que moram no seu condomínio e especialmente um peruano de nome Pablo que é fiel, comparece diariamente para comprar literaturas de língua espanhola e seus jornais prediletos.


-Ah, o seu Pablo. Ele é muito gentil, me dá boas gorjetas quando  lhe entrego as correspondências, principalmente nos dias em que tem um envelope amarelo grande, uma vez por semana.


-É do exterior?


-Não, é da cidade mesmo, eu vi pelo carimbo dos correios,  mas sem remetente, apenas com um timbre diferente. 


O coração de Jorge acelerou naquele instante, estava ali a chave para descobrir o endereço do local das reuniões. 


-Severino, qual  dia da semana chega o envelope? 


-É sempre na quarta-feira e seu Pablo pediu para entregar-lhe imediatamente assim que chega, e eu faço prontamente e por isso sempre ganho uma boa gorjeta.



Jorge agora tinha diante de si um desafio, descobrir uma maneira de ver o carimbo e o timbre no tal envelope. O próximo chegaria no dia seguinte e ele precisava pensar em algo. À noite encontrou-se com dona Encarnacion e expôs o ocorrido. Ela pensou, pensou e deu-lhe uma sugestão:


-Olha señor Jorge, amanhã eu posso ficar na banca de manhã para o señor ficar na espreita e ver quando o carteiro chega com o envelope, aí o señor terá de dar um jeito de conseguir ver o carimbo, só que isso eu não sei como.


-A ideia é boa. Vou pensar em como me aproximar do envelope sem levantar suspeitas. 

Ficou assim combinado e ele foi para casa, não sem antes passarem a lição de espanhol. No dia seguinte ele teve uma ideia. Dona Encarnacion chegou por volta das nove horas, Jorge já estava aflito, mas sabia que o carteiro ainda não havia chegado. Deu algumas instruções a ela, pegou uma revista de culinária, dirigiu-se ao outro lado da praça, sentou-se num banco e ficou observando o movimento no portão do condomínio, de maneira discreta para não ser percebido. Ficou ali quase duas horas e de repente viu chegar uma moto amarela e parar na portaria. O carteiro desceu e tocou a campainha. Nesse momento Jorge atravessou a rua e aproximou-se do portão, ao lado do carteiro. Severino demorou alguns minutos para vir receber as correspondências e nesse momento Jorge puxou uma conversa com o carteiro:


-Olá, sou amigo de Severino, o porteiro. Sou o dono daquela banca na praça e que vim entregar uma revista para uma moradora e  posso entregar as correspondências para ele se quiser. 


O carteiro, com sua costumeira pressa e vendo que Jorge parecia de confiança, pediu-lhe então que levasse as correspondências ao porteiro. Jorge não podia acreditar no que estava acontecendo. Pegou o envelope amarelo em suas mãos e olhou o timbre, era exatamente o desenho do broche. Nesse instante Severino chegou ao portão e Jorge conseguiu ainda ver rapidamente o carimbo da agência dos correios onde o envelope fora postado antes de entregar tudo ao porteiro, contando-lhe que o carteiro havia lhe pedido um favor e dizendo também que estava ali para dar uma revista de culinária como cortesia àquela senhora idosa que morava no condomínio. Severino nada percebeu, pegou as correspondências e a revista, agradeceu sorridente e entrou. Jorge suspirou fundo e voltou para a banca. Contou a dona Encarnacion o que vira e na empolgação os dois se abraçaram comemorando o acontecido, o que gerou um certo constrangimento em ambos, já que nunca haviam feito isso antes. 
A alegria só não foi completa porque ainda não sabiam o endereço de onde saíra o envelope, mas já era um começo. Dona Encarnacion aproveitou e foi a um ateliê onde fazia um curso de artesanato, depois passaria no supermercado que havia nas redondezas e combinaram de voltarem para casa juntos em seu carro, já que então não faltaria muito para o expediente de Jorge terminar. E assim, depois das compras passou na banca e foram embora conversando animadamente. Eles se tratavam com cerimônia, ele a chamava de dona Encarnacion e ela o chamava de señor Jorge. Ela tinha uns quarenta e poucos anos mas aparentava menos. Era uma mulher charmosa, de gestos delicados e que cuidava de sua saúde e da aparência muito bem. Ali, naquele caminho de volta ela tomou a iniciativa e disse:


-Senõr Jorge não precisa me chamar de dona Encarnacion, só de Encarnacion, afinal, já somos amigos e me sinto velha quando me chama de dona. 


Jorge por sua vez ficou sem jeito, não conseguiu dizer muita coisa:


-Tudo bem, à partir deste momento não a chamarei mais de dona, apenas Encarnacion, para mim soa ainda estranho, mas me acostumarei, mas a senhora, ou melhor, você também deverá me chamar apenas de Jorge.


Ela concordou imediatamente. Chegaram e cada um foi para sua casa, naquela noite Jorge não foi à casa de Encarnacion porque era a noite de estudar em sua casa, e assim o fez.